A natureza indenizatória dos honorários de sucumbência

PARTE 1 – SOBRE A ORIGEM DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA


Os honorários de sucumbência são um pagamento feito ao advogado da parte vencedora às custas da parte vencida, quando da condenação em um processo judicial. Estes honorários de sucumbência não se confundem com os honorários contratados entre o advogado e seu cliente, que possuem relação contratual e remuneratória.


Os honorários de sucumbência aparecem na legislação brasileira em diversos momentos. A análise de cada momento é importante para se entender o caráter dos honorários de sucumbência.


Em 18/09/1939 foi editado o Código de Processo Civil (de 1939), que previa inicialmente em seu art. 64 que quando a ação resultar de dolo ou culpa, contratual ou extracontratual, a sentença que a julgar procedente o pedido do autor condenaria o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária. Ou seja, o caráter dos honorários de sucumbência seriam indenizatórios, visando indenizar a parte vencida com os gastos com advogado.


De igual modo, a CLT, editada em 01/05/1943, não previa honorários de sucumbência pelo fato de que as partes possuem capacidade postulatória, e só contratam advogado se quiserem. Assim, não seria justo condenar uma das partes a indenizar com gastos de advogado, sendo que nenhuma delas teria a obrigação de contratar advogado. Por isso, não havia tal previsão. A previsão era somente para advogados dos sindicatos, que têm obrigação de trabalhar gratuitamente para os associados, e, portanto, deveriam receber algum valor compensatório pelo trabalho. Depois, com a Lei 13.467 de 2017 é que foi prevista a condenação em honorários de sucumbência.


Em 27/04/1963 foi editada a Lei nº 4.215, o antigo Estatuto da OAB, que dispôs em seu artigo 94 que a gratuidade na prestação de serviço (ou seja, ausência de contrato de honorários entre advogado e cliente) não impedia o recebimento de honorários quando a parte vencida era condenada a pagá-los; o artigo 99 tratava de honorários contratuais e honorários de sucumbência, e na parte que cuidava deste último garantia que o advogado tinha direito autônomo de buscar a execução dos valores no processo, e que, em regra, o acordo entre advogado e cliente não prejudicaria os honorários convencionais (contrato de prestação de serviços) e os concedidos pela sentença (honorários sucumbenciais). O que se percebe é que o antigo EOAB queria fazer com que o advogado que prestasse serviço gratuitamente tivesse o direito de receber os honorários de sucumbência, pois seria uma indenização à parte vencedora que deveria ser direcionada justamente a este advogado. Na época, os contratos de serviços advocatícios gratuitos tinham que prever justamente que os honorários de sucumbência eram do advogado constituído, e este advogado juntada nos autos do processo esse contrato para poder receber mandado de pagamento em seu nome.


Em 18/05/1965 foi editada a Lei nº 4.632, que alterou este artigo 64 do Código de Processo Civil de 1939, e passou a vigorar o texto em que declarava que a sentença final na causa condenaria a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora. Assim, ampliando a situação, continuou dispondo que a parte vencida deveria indenizar a parte vencedora com os gastos com advogado que ela teve.


Em 03/12/1969, foi editada a Súmula 512 do STF, que baseada em quatro acórdãos, decidiu que não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança. A decisão mais antiga que baseou essa súmula foi o MS 19071, julgado em 31/10/1968, publicado em 18/11/1968, que dizia que não eram devidos honorários de advogado (ou seja, honorários de sucumbência). Este acórdão em mandado de segurança decidiu não caber honorários de sucumbência em mandado de segurança. Por sua vez, fez referência ao RE 61097, de 12/09/1968, que declarou que não cabe, em mandado de segurança, condenação ao pagamento de honorários de advogado, pois não há parte vencida no mandado de segurança, pois se ataca o ato de autoridade, e não a autoridade em si nem a pessoa jurídica de direito público na qual a autoridade possui cargo público. Por uma questão de igualdade, foi decido que não cabem honorários de sucumbência nem quando o impetrante ganha nem quando perde o processo de mandado de segurança.


Em 11/01/1973 foi editada a Lei nº 5.869, Código de Processo Civil (de 1973), que dispôs em seu artigo 20 que a parte vencida deveria pagar os gastos com honorários de advogado da parte vencedora, sendo uma verba indenizatória.


Em 04/07/1994 foi editada a Lei nº 8.906, Estatuto da OAB, que mencionou os honorários de sucumbência diversas vezes, estipulando que essa verba pertenceria ao advogado. A partir daí, começou-se a querer discutir que os honorários seriam uma remuneração ao advogado, em vez de ser uma indenização. O artigo 21 do EOAB garante que os honorários de sucumbência de advogado empregado pertencem ao advogado, e também quando o empregador seja sociedade de advogados; o artigo 22 garante que os honorários de sucumbência são direito do advogado decorrente da prestação do serviço profissional; o artigo 23 garante o direito autônomo do advogado de executar a sentença no que toca a honorários arbitrados ou de sucumbência, inclusive o direito de seus sucessores nos valores, em caso de falecimento, bem como anulando qualquer tentativa de retirar do advogado o direito aos honorários de sucumbência. Essa parte foi modificada posteriormente, em 2022, dando a possibilidade de renúncia aos honorários de sucumbência.


Em 01/03/1995 foi publicado o Código de Ética e Disciplina da OAB, que em seu artigo 14 tratou do direito aos honorários de sucumbência independentemente dos honorários contratados com o cliente; no seu artigo 35 prevê que os honorários de sucumbência não excluem os contratados, mas devem ser considerados no acerto final com o cliente, para evitar que o advogado receba mais da metade do que seria o pedido do cliente. Daí veio a prática de cobrar 30%, pois se os honorários de sucumbência chegassem ao máximo de 20%, o total seria 50% do pedido pelo cliente, dentro do máximo aceitável para ganhos do advogado, conforme o artigo 38 do Código de Ética; no artigo 40 mais uma vez dispôs que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado, independentemente de tabelas de honorários de assistência judiciária; e no artigo 50 tratou do Tribunal de Ética e Disciplina, que tem poderes para mediar e conciliar partilha de honorários entre advogados, sejam contratados, sejam sucumbenciais.


Em 07/08/2009 foi editada a Lei nº 12.016, que em seu artigo 25 declarou que não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé, repetindo o que previa a súmula 512 do STF.


O que se percebe é que, até o Estatuto da OAB de 1994, a sucumbência era uma indenização para a parte que teve que gastar com a contratação com advogado. Após o Estatuto, começou-se a discutir que a sucumbência seria uma remuneração.


PARTE 2 – SOBRE A ORIGEM DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA PARA O SERVIÇO PRESTADO PELO ADVOGADO


O Código Tributário Nacional, de 25/10/1966, tratou o ISSQN nos artigos 71 a 73, dispondo que era devido pela prestação de serviço de empresa ou profissional autônomo que não fosse fato gerador de imposto estadual ou federal; era serviço tributável o trabalho prestado à usuário ou consumidor final, a locação de imóveis, a hospedagem e guarda de bens; também havia uma regra especial quando o serviço era prestado em conjunto com o fornecimento de mercadorias. A base de cálculo era o preço do serviço, exceto quando a prestação do serviço fosse feita pessoalmente pelo contribuinte, utilizando-se alíquotas fixas ou variáveis em função da natureza do serviço, sem considerar o preço (ou seja, valor fixo de ISSQN para profissionais, independentemente do valor dos serviços) ou quando o serviço era parte de uma atividade sujeita ao ICMS, sendo tributado somente parte do preço.


Em 31/12/1968 foi editado o Decreto-Lei nº 406, que tratou do ISSQN, garantindo o mesmo direito à alíquota fixa para profissionais autônomos, elencando em sua lista de serviços tributáveis os advogados.


Em 31/07/2003 foi editada a Lei Complementar nº 116, que revogou quase todo o Decreto-Lei nº 406, e trouxe em sua lista de serviços tributáveis pelo ISSQN a advocacia, no item 17.14 desta lista.


O que se percebe nessas legislações é que a tributação do ISSQN sempre esteve vinculada ao preço do serviço prestado, ou seja, os honorários contratuais, sendo permitidos aos municípios cobrarem valores fixos anuais de ISSQN sem qualquer relação com os honorários contratuais ou sucumbenciais recebidos pelo profissional autônomo.


Ora, se os honorários sucumbenciais devem ser tributados pelo ISSQN, como é que não são tributados nas alíquotas fixas de advogados e sociedades que optam pelo pagamento fixo anual? Aí se criam dois sistemas: um que não paga ISSQN sobre a sucumbência, e outro que paga sobre a sucumbência. Obviamente não há igualdade alguma nisso.


PARTE 3 – SOBRE A TRIBUTAÇÃO DA RENDA CONSIDERANDO OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA


A legislação do imposto de renda não separa os honorários de sucumbência, abrangendo os ganhos do advogado como um todo, sendo tudo o que for recebido como renda tributável.


Em 29/12/2003 foi editada a Lei nº 10.833, que em seu artigo 27 dispôs sobre os valores decorrentes de processos da justiça federal, dispondo que o banco pagador dos valores têm que descontar automaticamente 3% do valor, exceto se o recebedor declarar que a verba recebida seja isenta ou não tributável, ou se o mesmo for pessoa jurídica inscrita no SIMPLES NACIONAL. O valor retido é automaticamente considerado antecipação de imposto a ser pago. Em 22/11/2018 houve regulação do dispositivo legal no artigo 739 do Decreto nº 9.580, que regulamenta o imposto de renda.


De modo geral, o fisco federal sempre cobrou os honorários de sucumbência como renda, sem fazer a devida separação entre honorários contratuais e honorários sucumbenciais.


PARTE 4 – DA INDENIZAÇÃO E DA RESPONSABILIDADE CIVIL


Sendo os honorários de sucumbência uma indenização, é necessário verificar o Código Civil, que é a lei que trata do assunto de forma geral. Ao tratar da responsabilidade civil, no artigo 927, é mencionado que há responsabilidade civil nas seguintes ocasiões: quando alguém causa dano a outrem através de um ato ilícito, ou seja, aquele decorrente de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que viole o direito; quando alguém causa dano a outrem através do exercício de direito próprio de forma que exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes; quando alguém é obrigado a reparar dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei; quando alguém desenvolve atividade que implica, por sua natureza, risco de dano para os direitos de outrem. Os honorários de sucumbência se adequam exatamente à terceira hipótese: obrigação de reparar dano independentemente de culpa por determinação da lei, que, no caso, é a lei processual.


O artigo 943 do Código Civil também garante que o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança, exatamente o que acontece com os honorários de sucumbência no artigo 23 do Estatuto da OAB, que é lei nacional. Outro artigo que se amolda aos honorários de sucumbência como verba indenizatória é o artigo 944 do Código Civil, pois este determina que a indenização é medida pela extensão do dano. Temos na lei processual a determinação clara que os honorários de sucumbência são diretamente proporcionais à extensão da condenação, ou seja, são medidos pela extensão do dano.


PARTE 5 – IMPOSSIBILIDADE DE QUALQUER TRIBUTAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA PELA NATUREZA INDENIZATÓRIA DOS MESMOS


Todas as leis sobre ISSQN em âmbito nacional trataram do cabimento de ISSQN para a atividade de advocacia, ou seja, a relação contratual entre cliente que paga e advogado que recebe honorários contratuais deste cliente por um serviço prestado. A origem do ISSQN remonta desde o imposto sobre indústrias e profissões, no qual se tributava o ganho decorrente dos contratos celebrados em que um das partes prestava um tipo de serviço profissional.


Os honorários de sucumbência recebidos pela parte do processo, na época em que eles não pertenciam aos advogados, eram uma indenização à parte do processo que precisou gastar com a contratação de advogado, sendo indenizada pela parte vencida. É por isso que não havia condenação em honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, pois como as partes possuem capacidade postulatória, só contrataria advogado quem quisesse.


Após a legislação considerar que a verba pertenceria ao advogado, não houve mudança na caracterização da natureza dos honorários de sucumbência, pois a atribuição de a quem se deve pagar não pode alterar a natureza jurídica de uma verba. E o fato de uma verba ser considerada alimentar não altera o fato de ela ser indenizatória, pois a caracterização de verba alimentar existe para se considerar o prazo de tempo de pagamento, pois a verba indenizatória pode ser de caráter alimentar, assim como a verba remuneratória também pode ser considerada alimentar. Um exemplo disso é o pagamento de alimentos, pois quem recebe alimentos não deve pagar imposto de renda por este valor, e o mesmo é de caráter alimentar e não se trata de remuneração, pois quem paga pensão alimentícia não está remunerando trabalhador ou prestador de serviço, mas sim sustentando pessoa por obrigação legal. Outro exemplo está no artigo 948 do Código Civil, que trata da obrigação de alimentos de caráter indenizatório, sem qualquer conotação de característica remuneratória.


Os honorários de sucumbência não são remuneração, pois se isso fosse verdade, a parte contrária estaria contratando, contra sua vontade, o advogado do adversário. E quando se litiga contra a Fazenda Pública, e a mesma paga os honorários de sucumbência de caráter remuneratório, ela estará pagando remuneração a advogado particular sem concurso público nem contrato administrativo, o que viola a Constituição da República. Só faz sentido, juridicamente, se os honorários de sucumbência forem uma verba indenizatória, da parte vencida para o advogado da parte vencedora, pois o caráter indenizatório não traz qualquer carga de contratação para tal pagamento. Principalmente para a Fazenda Pública que paga honorários de sucumbência para advogado da parte vencedora: ela está pagando indenização, e não remuneração. Se ela paga remuneração, ela está remunerando advogado sem concurso público e sem contrato administrativo.


Sendo verba indenizatória por determinação legal, não cabem ISSQN nem IRPF sobre os honorários de sucumbência recebidos por advogado. E, em se tratando de sociedade de advogados ou sociedade unipessoal de advocacia, além de não caber cobrança de ISSQN, não cabe pagamento de PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, CPP ou qualquer outro tributo sobre faturamento ou renda, posto que a verba indenizatória é intributável, por ser uma recomposição de uma perda, e não um ganho financeiro.


Sendo os honorários de sucumbência uma verba indenizatória, são indenização por dano material, para recompor os gastos do próprio advogado com a ação que precisou atuar contra a parte vencida que causou a lide, sem qualquer relação com os honorários contratuais, que podem ou não existir. Tanto é verdade que todos os Códigos de Processo Civil previram que o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço sempre foram parâmetros para estipular a verba sucumbencial. Ou seja, uma recomposição material (indenização) baseada em múltiplos fatores que são levados em conta para o cálculo percentual desta indenização por dano material conhecida como “honorários de sucumbência”.


Márcio Pinheiro Advocacia Tributária

advogado.marcio.pinheiro@gmail.com

(21) 97278-4345

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